Desenvolvendo a mansidão


Como costumamos reagir às situações de conflito que nos sobrevém? Qual a nossa reação diante das críticas, afrontas e desconsideração dos nossos semelhantes? E ainda, o que fazemos quando sofremos injustamente? Somos tendenciosas a responder a todas estas perguntas de forma unânime, ou seja, com amargura, ira e descontentamento. Porque temos uma natureza pecaminosa, que se rebela em agir de maneira contrária ao que recebemos; é o pagar com a mesma moeda, é o não desejar bem a quem algum dia nos fez mal.

O Senhor Jesus nos ensina com o seu exemplo a forma correta de lidarmos com estas circunstâncias, pois Ele também passou por coisas semelhantes. O Senhor foi criticado, zombado, perseguido, levado ao descrédito, humilhado e morto injustamente, e a forma em que Ele reagiu a tudo isso é surpreendente. Ele não retribuiu ao mal com mal, mas com um espírito brando e humilde, e disposto a sofrer, ainda que imerecidamente. Isso é o que chamamos de mansidão. Ele afirmou que era manso e humilde de coração (Mt 11:29), e permaneceu firme até o fim em obediência e confiança a seu Pai.

A mansidão não é, como costumamos pensar, um traço da personalidade, ela está relacionada com a nossa confiança na providência de Deus, sendo algo não meramente externo, mas que flui de um interior submisso à vontade Dele. É a quietude de um coração que descansa na soberania de Deus, mesmo que em meio às piores adversidades. A mansidão

“[...] não consiste só no comportamento exterior da pessoa; nem ainda em suas relações para com o próximo; tampouco na sua mera disposição natural. Antes é uma entretecida graça da alma; e cujos exercícios são primeira e primariamente para com Deus. É o temperamento de espírito no qual aceitamos Seus procedimentos conosco como bons e portanto, sem disputar ou resistir; está relacionado de perto com a palavra tapeinophrosune [humildade], e resulta diretamente dela; [...] é somente o coração humilde que também é manso, e o qual, como tal, não luta contra Deus e mais ou menos se debate e combate com Ele. Esta mansidão, porém, sendo em primeiro lugar uma mansidão perante Deus, também o é diante dos homens, até de homens maus, proveniente de um senso de que estes, com os insultos e danos que possam infligir, são permitidos e empregados por Ele para castigo e purificação dos eleitos”¹

A partir desta definição podemos tirar algumas conclusões:

1. A mansidão flui do interior, não sendo uma qualidade natural, mas uma consequência de alguém que foi regenerado, sendo “uma entretecida graça da alma”. Portanto, precisamos do auxílio divino para desenvolvermos a mansidão.

“...que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão...” (Ef 4:1-2)

O desejo do Senhor para os seus filhos é que eles sejam mansos, assim como seu amado Filho Jesus, sendo identificados com esse modo de viver, pela nova vida que possuem. A mansidão é tanto uma ordem (Cl 3:12) quanto um aspecto do fruto do Espírito Santo (Gl 5:22), e os mansos são bem-aventurados, eles herdarão a terra (Mt 5:5).

Quando o apóstolo Pedro escreve para as mulheres cristãs quanto ao seu proceder com os seus maridos, ele diz que a beleza delas deveria estar não em frisado de cabelos, uso de jóias, ou em luxo de vestidos, mas em um espírito manso e tranquilo que possui grande valor diante de Deus (I Pe 3:3-4). Neste contexto, sobre a esposa, Martha Peace escreve:

“Ela não é rude, ríspida ou sarcástica. Não é histérica ou temerosa. Se você for mansa, ficará contente nas circunstâncias em que Deus a colocou. Você não deve tentar manipular as circunstâncias para favorecer a si mesma. Você pode permanecer calma, ainda que esteja sob pressão. Você também será cuidadosa e atenciosa em suas reações, mesmo que discorde de seu marido. Seu tom de voz suave será pacificador em meio ao conflito.”²

A mansidão é um dos aspectos que nos identifica como cristãos no mundo, e a esposa cristã precisa sobretudo dela, pois compõe a beleza do seu caráter, a quem o Senhor atribui grande valor.

2. A mansidão possui exercícios que “são primeira e primariamente para com Deus”. Ela se relaciona primeiro e acima de tudo com Deus, não com os homens. Nossa ação diante dos homens são um reflexo da nossa vida com Ele. É de um caminhar íntimo com Ele que extraímos capacidade para conseguirmos superar os nossos pecados e debilidades com o nosso próximo, refletindo a Sua imagem, não a nossa, diante dos outros. E mesmo que falhemos, o seu Espírito em nós nos conduzirá sempre a querer acertar e a cumprir toda a Sua vontade.

Sendo mansos, não desejaremos retribuir o mal com o mal, nem nos vingarmos, mas sendo benignos e compassivos uns com os outros, preferiremos sofrer o dando, entregando todo o juízo ao Senhor, a quem pertence a vingança, nos esforçando para seguirmos as pisadas do nosso Mestre (Rm 12:17-21, I Pe 2:21-23).

3. Com a mansidão “aceitamos Seus procedimentos conosco como bons”. É daí que surge a confiança. Confiamos no proceder de Deus para com as nossas vidas, mesmo nos momentos que não o entendamos. Não lutamos, nem resistimos. Não buscamos contrariá-Lo, nem barganhar com Ele. Aceitamos com mansidão o Seu proceder para conosco, por sabermos que temos um Pai amoroso e perfeito, que faz tudo para o nosso bem. Sendo humildes de espírito, nos rendemos a toda a Sua vontade. É nos momentos sombrios e não em outro tempo, que a fé em que dizemos ter precisa ser expressa, e a confiança aprimorada, num Deus que é soberano.

Talvez achemos tudo isso sobremodo difícil de vivermos em nossa era. É fácil conhecermos, crermos e falarmos, até que tenhamos que viver. Recorremos à graça, Deus tem sempre em abundância aquilo que nos falta, mesmo que todas as nossas fontes se esgotem, mesmo que não nos reste força alguma para lutarmos, Ele certamente nos ajudará a cumprirmos o que Ele mesmo deseja para as nossas vidas, quando O buscarmos, como filhas amadas, com todo o nosso coração.


Thayse Fernandes
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¹ VINE, W F., UNGER, M. F., WHITE Jr, Williiam. Dicionário VINE: o significado exegético e expositivo das palavras do antigo e do novo testamento. Rio de janeiro: CPAD, 2002.
² PEACE, Martha. Esposa excelente: uma perspectiva bíblica. São José dos Campos, SP: Fiel, 2008.

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